quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Dança comigo?

Um casal deitado em um sofá-cama, longe um do outro conversando:
-Me diverti hoje.
-Eu também. Pena que amanha você ja vai embora...
-Mal posso acreditar que vou dormir na minha cama finalmente.
-Não gosta dessa aqui?
-Não que ela seja ruim, mas, não gosto de ficar dormindo na sala dos
outros. Tira a liberdade das pessoas, não gosto disso.
-Bem, voce poderia ter ido pra um hostel, eu não morreria por isso.
-É, eu acho que deveria mesmo ter ido. Alias, nunca mais faço isso.
Não me sinto bem em casa de estranhos, por mais que seja a casa da sua
prima.
-Bem, ela gosta de receber gente aqui, mas se você não gosta...
-Tu que me convenceu de vir pra ca. Agora sei que foi uma pessima
ideia. Em todo caso, obrigado, a intenção foi boa.
-Não tem problema. Fora que as pessoas parecem achar que nós estamos
juntos. (os dois riem)
-É, pessoas normais provavelmente estariam jutas se estivessem
dormindo a uma semana na mesma cama.
-Eu não teria nada contra ter agido como pessoas normais.
-Teria, amanha, quando meu vôo sair.
-Não, não mesmo. A dor amanha na hora de você ir embora vai ser a
mesma que seria se nós estivessemes ficando. Meus sentimentos por você
ja não são só de amizade, mas não precisam de um namoro. Te amo acima
dessas coisas, você sabe.
-É eu sei. Mas acho que uma parte de você queria ficar comigo.
-Com certeza. Mas não é algo que eu faça questão mesmo. Se bem que...
se a gente ficasse, eu teria umas regalias a mais.
-Tipo o que?
-Eu ia poder brincar de ser urso de pelucia. E nos dias quentes,
quando namorávamos, dormiamos de mãos dadas.
-Dios.
-É sério.
-E você me deu o travesseiro mais baixo. (Faz cara de zangada)
-É mesmo? Nem percebi, quer trocar?
-Quero.
-Toma. (os dois trocam de travesseiro)
-Obrigada.
-Eu acho que mereço uma compensação por isso (mais risadas)
-Merece, o que você quer?
-Nada.
-Ai meu Deus (segura na mão dele)
-Agora sim as pessoas vão achar que somos casados ou qualquer coisa
bregueta assim
-Bem que você queria né?
-Na verdade não. Mas eu te concedo a honra da proxima dança.
-Que dança?
-Oras, não ouve a música? (ela tenta escutar a musica)
-Acho que ouço.
-E então? (Os dois se abraçam e adormecem)

Nota de Falecimento

Comunicamos o falecimento de um qualquer. Ocorrido na tarde do sábado, no meio do transito, na hora errada. Caiu de um prédio em cima da nossa cara, caiu da vida como se a nossa não valesse nada. Morreu zoado, estraçalhado, o que será que ele pensava, quem era ele para morrer assim, ou, quem pensava ele que era? O velório está sendo realizado em um lugar comum, em uma hora qualquer, que na verdade, não importa. Será que o corpo está em um caixão fechado? Pelo menos isso! Afinal, quem quer ver um rosto desfigurado, emborrachado e ensanguentado? Ah não, tenha paciência.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Alienun spp.(Elliot, 2142)

Talvez nunca descubramos os processos que levaram ao desenvolvimento daquela estranha espécie vegetal. Ainda mais por estarmos acostumados a pensar na flora e na fauna de forma bem isolada. Primeiro pesquisávamos nas regiões de nosso próprio planeta, mas depois de alguns séculos descobrimos que toda a vida no planeta era interligada, era impossível compreender completamente uma região, sem considerar as influencias dos outros lugares da Terra. Mas mesmo depois de entendermos isso, faltava algo. Faltava. Até que aquele meteoro caiu..

Quando caiu, ninguém deu importância. Afinal pedras daquele tamanho caiam todos os dias na superfície, e os danos causados eram tão raros, que acabavam se tornando lendas urbanas. A vida local não foi afetada em nada. Apenas uma insignificante cratera, que em pouco tempo foi tomada pela vegetação local.

Ali surgiu uma pequena planta, diferente de todas as outras da região. Mas ainda assim uma planta, com suas folhas verdes e vistosas, aparentemente muito apreciada pelas lagartas da região. Ela crescia rapidamente, e logo foi notada pelos moradores locais. Tornou-se mais alta que as arvores milenares, e quando se tornou tão alta quanto os maiores prédios já construídos pela civilização, ela foi visitada pelos biólogos.

O primeiro grande mistério surgiu quando não encontraram aquela espécie catalogada nos grandes bancos de dados de espécies. Na época, considerava-se que todas as espécies vegetais haviam sido catalogadas, e de fato, as varreduras de satélites nunca encontraram nada de novo durante anos. Trataram logo de registrar todas as características da planta, colheram amostras de DNA, analisaram o solo onde estava a planta, atrás de modificações que ela produzia ao solo. E mais uma surpresa. O solo ao redor da planta não parecia estar sendo utilizado por ela para algo além da sustentação física. Então foram investigar a raiz da planta. Usam aparelhos de raios-T, e algo fantástico foi descoberto. Era a raiz mais profunda de que se tinha noticia. Penetrava na terra por quilômetros, e era tão profunda, que só poderia estar retirando nutrientes do próprio magma da Terra.

Isso foi um tremendo choque. Precisou-se rever todo o modelo que explica a estrutura interna da Terra, e ainda assim, tudo indicava que as raízes da planta iam até o coração do Planeta.

Mais alguns anos se passaram, aqueles mistérios continuaram, mas o mais improvável aconteceu quando os primeiros frutos se formaram. Eram enormes, do tamanho de uma pequena casa. Áreas ao redor da planta foram evacuadas, pois aqueles frutos, quando caíssem, causariam um grande estrago. Mas eles não caíram. Secavam e se abriam, e ao invés de sementes, saia algo que se assemelhava a um sistema de propulsão. E de fato era. Alguns dias depois do fruto ter se aberto, ele se soltou da árvore, uma forte luz brilhou em sua abertura, e decolou em direção aos céus.

Cotard

Ele demitiu-se
Embora todos na empresa gostassem do seu trabalho, e da pessoa, demitiu-se.
Embora ele mesmo gostasse do seu trabalho, e de sua pessoa, demitiu-se.
Foi pra casa fumando e com a mente vazia. Não existiam mais planos para o futuro. Não era necessário. Planos para o futuro não são para quem não tem futuro. Suas mãos pútridas como as de um cadáver, cheirando, a decomposição tomando conta de seu corpo.
Trancou-se no seu quarto esperando a morte, que com certeza chegaria rápido. Logo seus membros estavam completamente tomados pelo seu destino final e seus órgãos parariam de funcionar.
Esperou a morte pacientemente.
Pacientemente.
Pacientemente.
Até que ela entrou pela porta do quarto, e o levou para conhecer o mundo. Levantou-se morto do canto da parede e seguiu sua nova amiga, alegre. Saiu pela porta da casa exalando seu cheiro como se fosse uma daquelas loções baratas que sempre usava. Com a morte caminhou por dias e dias. Foi a todos os lugares próximos que queria conhecer, caminhou por becos escuros, largas avenidas,
campos cultivados e belos riachos.

Em casa, sua mulher chegou de viagem. Preocupada pelo desaparecimento do marido, chamou a policia. O corpo foi encontrado um dia depois, em um ribeirão próximo à cidade.
Causa do óbito: Afogamento.